2maio2018

A importância da detecção e do tratamento precoces da fenilcetonúria (PKU)

Em 1934, quando o Dr. Følling, na Noruega, evidenciou na urina de dois irmãos com grave deficiência intelectual, o ácido fenilpirúvico, pela primeira vez na história da Medicina foi estabelecida a associação de uma causa metabólica à deficiência intelectual.

O geneticista inglês, Lionel Penrose, em 1946, viria a denominar a doença descoberta pelo Dr. Følling, fenilcetonúria (em inglês, phenylketonuria, PKU).

Naquela época, a maioria dos indivíduos eram diagnosticados tardiamente, quando já apresentavam deficiência intelectual grave, microcefalia, anomalias neurológicas (epilepsia, transtornos do movimento), eczema e diminuição da pigmentação da pele e cabelos.

Na década de 1950, Horst Bickel, um jovem médico alemão, em treinamento no Hospital Universitário de Crianças de Birmingham, Reino Unido, iniciou um ensaio terapêutico com um hidrolisado de caseína (proteína do leite) desprovido de fenilalanina numa menina de dois anos de idade com diagnóstico de PKU pelos métodos utilizados à época: o teste de cloreto férrico positivo e a cromatografia em papel que confirmava uma acentuada excreção urinária de fenilalanina. A menina apresentava os sintomas clássicos da PKU não tratada: deficiência intelectual grave, incapacidade de sentar ou ficar de pé, desinteresse pelo entorno, eczema, cabelo louro grosso e um característico odor de rato. Com a introdução do hidrolisado de caseína desprovido de fenilalanina, a criança apresentou uma pronta melhora de sua condição clínica, embora a deficiência intelectual já tivesse se instalado de maneira irreversível. Estavam assentadas as bases para que as fórmulas de aminoácidos isentas de fenilalanina viessem a ser o esteio do tratamento da PKU.

Doze anos se passaram, quando nos EUA, Dr. Guthrie desenvolveu, em 1963, um método de dosagem da fenilalanina a partir de amostras de sangue de recém-nascidos obtido por punção de calcanhar, embebido e seco em papel de filtro. Isto viabilizou a detecção da PKU ainda no período neonatal (antes, isto só era possível em bebês com história familiar da doença) e a instituição precoce do tratamento dietoterápico que tornaram possível atingir um desenvolvimento cognitivo normal dos indivíduos afetados, ao prevenir a exposição contínua do Sistema Nervoso Central à neurotoxicidade da hiperfenilalaninemia (níveis sanguíneos persistentemente aumentados de fenilalanina) típica da PKU. Além disso, o método de Guthrie permitiu o rápido processamento de um grande volume de amostras, viabilizando a instituição de programas de triagem neonatal da PKU em escala populacional. No anos 1960, o método de Guthrie foi aplicado massivamente na triagem neonatal da PKU em bases nacionais nos EUA. Na década seguinte (anos 1970), os programas de triagem neonatal já eram rotina na maioria dos países desenvolvidos.

No Brasil, a primeira iniciativa de triagem neonatal da PKU ocorreu em 1976, pelo trabalho pioneiro de Benjamin Schmidt na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais da cidade de São Paulo – APAE-São Paulo. No década de 1980, os programas de triagem neonatal foram introduzidos de maneira desarticulada em algumas unidades da Federação. Tendo como meta a cobertura universal da triagem neonatal por todo o território brasileiro, em 2001, o Ministério da Saúde criou o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), garantindo os testes de triagem e confirmatórios para a PKU e o fornecimento de fórmula de aminoácidos isenta de fenilalanina, essencial ao tratamento dietoterápico da doença.

Apesar desse cenário favorável, observações pessoais deste autor indicam que o fornecimento de fórmula metabólica e mesmo a disponibilidade de exames de fenilalanina sanguínea para seguimento da doença, no âmbito do estado do Rio de Janeiro, sofrem constantes descontinuidades.

A grave crise econômica que se abateu sobre o estado e a cidade do Rio de Janeiro, especialmente a partir de 2016, viria a ter um impacto inclusive no programa de triagem neonatal iniciado no estado em meados dos anos 1980, portanto com quase 40 anos de ininterrupto funcionamento.

Até janeiro de 2017, o Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia “Luiz Capriglione” – IEDE recebia amostras de sangue seco em papel de filtro para triagem neonatal e acolhia os recém-nascidos com resultados suspeitos para PKU, encaminhados por diversas unidades vinculadas à Rede do Sistema Único de Saúde (SUS), no âmbito da capital e do interior do estado do Rio de Janeiro. Após aquela data, os exames laboratoriais de triagem neonatal foram transferidos para a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Rio de Janeiro (APAE-Rio), entidade filantrópica conveniada ao SUS. Acumulavam-se à época da transferência cerca de 90.000 amostras não processadas no período de agosto a dezembro de 2016.

No período de 2005 a 2007, segundo dados da tese da Dra. Judy Botler, o número de casos anual de PKU no estado variou de 7 a 12. Estranhamente, no ano de 2017, segundo fontes confiáveis, apenas um caso de PKU foi detectado no estado do Rio de Janeiro, mesmo assim tardiamente, pois a criança já apresentava sinais de atraso do desenvolvimento psicomotor.

Novamente estaremos diante de casos de PKU não tratada: deficiência intelectual grave, microcefalia, anomalias neurológicas (epilepsia, transtornos do movimento, incapacidade de sentar ou ficar de pé, desinteresse pelo entorno), eczema e diminuição da pigmentação da pele e cabelos (cabelo alourado grosseiro) e um característico odor de rato. É importante que os pediatras estejam atentos a estes sinais e sintomas. Do mesmo modo, as famílias devem procurar atenção médica tão logo percebam alguma destas alterações, especialmente em crianças nascidas entre 2016 e 2017 no estado do Rio de Janeiro.

Autor: Eduardo Vieira Neto
O autor é médico geneticista e consultor científico voluntário da Safe Brasil. Tem estudado a PKU desde 2010 e parte do texto acima fará parte de sua Tese de Doutorado a ser defendida em breve. 

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